sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Invasões, migrações e refugiados



Em artigo publicado em maio pelo DN, diz-nos Philippe Legrain, prestigiado economista e conselheiro do presidente da comissão europeia entre 2011 e 2014 que a Europa devia abrir as suas portas e deixar entrar livremente os migrantes. Do ponto de vista meramente económico (que é aquele que o autor defende) e em teoria, concordo com o seu ponto de vista. A chegada massiva de mão-de-obra barata e pouco qualificada para uma economia à beira de uma estagnação secular seria uma lufada de ar fresco.
Mas será essa uma solução idónea? Vejamos esta situação doutras perspectivas e o que nos diz a história sobre esta problemática.

Desde a pré-história que o ser humano se movimenta. É uma necessidade intrínseca ao homem desde que este era caçador-recolector e por isso se deslocava em busca de alimento.
Necessidade. Essa é a palavra-chave para entender o porquê das deslocações do ser humano. A ela podemos associar as necessidades básicas da pirâmide de Maslow (fisiológicas e de segurança) mas não só. A história mostra-nos que entre os critérios que levam à deslocação humana, a expansão também se encontra entre os motivos. E esta por sua vez existe por outros motivos, menos evidentes e inseridos em estratégias que visam alcançar um objectivo planeado antecipadamente.

Como a história parece ser cíclica, a Europa há 1600 anos atrás passou por uma crise semelhante à actual.
Recuemos ao período do império romano. Sabemos que foi graças às migrações/invasões bárbaras (entre outras razões) que o império romano entrou em colapso. Mas os romanos aquando da sua expansão já tinham invadido outros territórios previamente ocupados. A diferença é que os bárbaros na sua grande maioria migraram param o império romano por necessidade. Os romanos expandiram-se por conquista. Reside aqui a diferença entre migração e invasão. Migração implica deslocação assente em motivos pacíficos. Invasão é um acto de ocupação pela força.
A partir do século III o império romano atravessou uma grave crise a nível político, económico, demográfico e cultural. A esplendorosa civilização que este povo construiu a partir da península itálica entrou em declínio acentuado. Primeiro foi o fim da política expansionista. Houve uma quebra do poderio militar que a médio/longo prazo entrou em anarquia. Os generais rebelavam-se contra os imperadores que se sucediam no governo por períodos de tempo muito curtos não dando tempo para por em prática as suas ideias. Depois tudo se desencadeou. O fim das ofensivas levou a que não houvesse novos territórios por explorar. Sem vencidos deixou de haver escravos. Sem escravos há uma crise de mão-de-obra, o que leva a menor produção, menos produtos no mercado, subida da inflação e por fim uma grave crise comercial que teve como consequências a estagnação da economia, quebra demográfica e êxodo urbano.
A expansão do cristianismo por outro lado também contribuiu para o enfraquecimento do poderio romano ao defender ideologias que eram antagónicas aos valores da sociedade romana, como a noção de igualdade entre homens independentemente do estrato social ou o fim do culto ao imperador.
Todo este cenário piorou com a pressão constante dos povos bárbaros no limes do império. Alguns entraram pacificamente colonizando algumas partes, incorporando o exército e adquirindo estatuto de federados. Outros, (Hunos) vinham para o saque e a conquista. A pressão cada vez maior por parte desses povos levou ao desastre de Adrianópolis (378) em que as legiões romanas, contra todas as previsões foram humilhadas pelas hostes visigodas.
A divisão do império entre império do ocidente e do oriente mais não fez que adiar a morte anunciada da parte latina que no século V estava já completamente descaracterizada e em 476 daria o seu suspiro final.
A Europa entraria agora num período negro de regressão civilizacional.

Andemos agora muitos séculos em diante no relógio do tempo e estabeleçamo-nos nos Estados Unidos da América na transição do século XIX para o XX. Por si só, esta nação foi construída por emigrantes e dissidentes.  A sua declaração de independência e a sua constituição são os primeiro documentos que promovem a igualdade entre todos os homens, antes ainda da revolução francesa. No entanto, demorou muito até que a sociedade norte americana assimilasse os valores que ela própria criou e documentou. Foram precisas grandes clivagens internas e uma sangrenta guerra civil para que Abraham Lincoln apelasse aos sagrados valores da declaração da independência num discurso que ficou célebre.
Serve esta introdução para contextualizar que a Europa, essa mesma Europa que agora se vê face a face com um problema de imigração massiva, também procurou uma vida melhor e atravessou massivamente o Atlântico em busca do “american dream”, naquela que foi uma migração em números incomparáveis na história da humanidade.
Entre europeus oriundos da europa do leste (polacos e eslavos sobretudo), europa meridional (italianos, balcânicos e franceses) e irlanda, estima-se que entre 1840 e 1920 terão entrado nos Estados Unidos cerca de 15 milhões de pessoas! O que as motivava eram factores comuns a todos os seres humanos que emigram. Fuga às guerras, às fomes, procura por melhores condições de vida, etc. A questão que aqui se coloca é que não só foi possível integrar essa imensa massa humana, como essa mesma massa fez desenvolver e prosperar esse país a um nível nunca antes visto, a ponto de este se tornar na maior potência mundial do século XX. Como foi possível integrar tanta gente? Primeiro porque havia espaço para todos. No final do século XIX o Oeste americano estava ainda muito escassamente colonizado. Depois porque culturalmente europeus e americanos eram similares em usos, costumes e religiões. Finalmente porque havia toda uma nação para construir e havia por isso necessidade de mão-de-obra. Apesar dos graves problemas sociais que se geraram com a chegada de tanta gente, a verdade é que o saldo final acaba por ser positivo e o sonho americano acabou mesmo por triunfar de uma forma geral.
Voltemos agora aos nossos tempos. Pode a Europa suportar uma migração em massa como o fizeram os Estados Unidos? Ou vai essa migração resultar no colapso da débil união europeia como aconteceu muitos séculos antes com o império romano?
Vejamos: a Europa é um continente envelhecido. Abrir as portas aos milhões de pessoas que procuram o sonho europeu, jovens na sua maioria, iria travar os índices demográficos negativos. E ao recebermos um grande nº de mão-de-obra não qualificada poderíamos criar uma alavanca para sair da crise económica. Mas há qualquer coisa que não bate certo… Por que razão os refugiados procuram massivamente a fuga para a Europa? Está mais que visto e mais tarde se verá com mais clareza (quando os níveis de xenofobia aumentarem) que o velho continente não os deseja por serem cultural e religiosamente diferentes. Se os muçulmanos fossem desejados, a Turquia já há muito tinha sido aceite como membro da UE. Por outro lado, a lentidão de Bruxelas em se pronunciar e criar directrizes sobre este problema é exasperante. Sobre a crise económica grega marcavam-se reuniões de um dia para o outro se fosse preciso. Sobre um desastre humanitário, demora-se semanas…
Quanto aos refugiados pergunto-me porque não escolheram outro destino. Do Iraque e da Síria para a península arábica é um caminho bem mais curto e provavelmente menos perigoso. E aí estão países prósperos e pacíficos, além de cultural e religiosamente semelhantes aos destes. Falo da Arábia Saudita, do Kuwait, do Bahrain, do Qatar e dos Emirados Árabes Unidos. Mas estes países mostram-se pouco receptivos para receber os refugiados. Porque virão com eles os terroristas do estado islâmico infiltrados? É uma real possibilidade e um dos factores que certamente os deve inibir de prestar auxílio.
Porque foi escolhida então a Europa? Um continente que para o muçulmano representa o detestado ocidente com a sua pecaminosa liberdade que descamba em libertinagem? Porque quando há insegurança e desespero os ideais morrem, ou porque o Estado islâmico (ao estilo cavalo de tróia) incitou à migração em massa para dentro do velho inimigo que pretende conquistar? Quero acreditar na primeira razão, mas não posso deixar de me preocupar com a segunda. A Europa também se devia preocupar.

Uma coisa é inevitável, agora que os refugiados/migrantes cá estão, penso que é nosso dever enquanto humanos de matriz cristã auxiliá-los pondo de lado as nossas diferenças, mas mostrando que na nossa casa as coisas funcionam segundo as nossas regras e estes terão de se integrar e adaptar à nossa sociedade. Mas isso inevitavelmente vai trazer custos. E não falo só em matéria económica...


Está criado o cenário, o que acontecerá agora na Europa a médio/longo prazo? O que sucedeu no pós-Roma ou o que sucedeu nos EUA? Os tempos e enquadramentos diferentes dos dois primeiros exemplos tornam difícil estabelecer um paralelismo perfeito com o que sucede actualmente.
O tempo dirá o que vai acontecer. Para bem dos nossos filhos, espero que os ideais europeus não morram. Todavia sei que o velho mundo sofrerá uma profunda reformulação. Que seja para melhor é o que desejo, para que cenas horríveis como a do menino morto e todas as que acontecem diariamente no médio oriente e que nos chocam a todos, não venham a acontecer à porta das nossas casas, nem nas nossas praias…

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Al-andaluz – O estado islâmico Ibérico


Introdução
Muito antes do recém-criado estado islâmico do século XXI, assente em bases duvidosas, houve na idade média outro estado islâmico, o original, que, nascido na península arábica se estendia por 3 continentes, do médio oriente à península Ibérica, passando pelo norte de África.  Com o tempo, este vasto império foi-se fragmentando política e religiosamente mas serviu de ponte entre diferentes culturas às quais transmitiu e absorveu conhecimentos em diversas áreas do saber que fariam com que germinasse na península ibérica uma civilização original.




Origens

 O Islão foi a última das grandes religiões monoteístas da história da humanidade a surgir. A sua certidão de nascimento data dos alvores do século VII, durante os últimos 22 anos de vida do profeta Maomé (610 – 632).
Maomé acreditava ter sido escolhido para transmitir à humanidade a palavra de Deus. Para os muçulmanos ele é o último (e mais importante) de uma linhagem de profetas dos quais fazem parte, entre outros, Abraão, Moisés e Jesus Cristo.
Após algumas dificuldades para se afirmar na península arábica, (que levaram a Maomé a fugir de Meca para Medina com os seus seguidores - a Hégira) o Islão consolida-se após a morte do profeta e sofre uma rápida expansão durante o período dos primeiros quatro califas – líderes sucessores. A sua doutrina, pela qual se rege o mundo islâmico encontra-se compilada no livro sagrado dos muçulmanos o corão ou al-corão.
Mais que religiosa, a expansão islâmica tinha um cariz bélico, até porque a jihad é um dos pilares não oficiais do islão.
Nasceu assim um novo império, sustentado na religião islâmica, também designado por califado omíada (nome derivado da dinastia governante, originária da tribo de Maomé), e que tinha sede em Damasco (actual Síria).
Durante o expansionismo, os muçulmanos chegaram ao norte de África, de onde passaram à península ibérica que rapidamente conquistaram após a decisiva vitória na batalha de Guadalete (711) onde enfrentaram uma monarquia visigótica decadente.
A partir daqui iniciou-se um longo conflito peninsular entre os cristãos autóctones e os muçulmanos invasores, a que se dá o nome de “reconquista”.
Anterior às cruzadas, esta relação belicista entre cristãos e muçulmanos era no entanto posterior a outra que já existia no médio oriente desde finais do século VII entre o império bizantino e os árabes (aos quais sucedem mais tarde os turcos seljúcidas e por fim os otomanos que conquistam Constantinopla).
Após a estrondosa vitória inicial junto às margens do rio Guadalete, duas derrotas pesadas contra os sobreviventes cristãos da península e contra os francos de além-Pirenéus marcam o fim das pretensões expansionistas islâmicas na Europa.  Destas batalhas, (Covadonga - 722  e Poitiers - 732) saíram mitificados os dois líderes vencedores: Pelágio por parte dos cristãos peninsulares e Carlos Martel por parte dos Francos - o pai da dinastia Carolíngia e avô de Carlos Magno.
A chegada dos muçulmanos à península provocou uma grande transformação na sociedade hispano-gótica existente. Os hispânicos do sul islamizaram-se progressivamente ou migraram para norte. Entretanto no norte crescia e solidificava-se a resistência cristã e no sul florescia a civilização do al-andaluz do qual a cidade de Córdova se tornou expoente máximo.



Ano
Batalha
Oponentes
Resultado
Figuras históricas
711
Guadalete
Visigodos vs. Muçulmanos   
Vitória muçulmana
Rei Rodrigo/Tarik
722
Covadonga
 Astúrias vs. Al-andaluz
Vitória cristã
Pelágio
732
Poitiers
Francos vs. Muçulmanos
Vitória dos Francos
Carlos Martel
791
Burbia
Reino das astúrias vs. Al-andaluz
Vitória muçulmana
Bermudo I/Hisham I
920
Valdejunquera
Emirado de Córdova vs. Reinos de Leão e Pamplona
Vitória Muçulmana
Abd-al-Rahman III/Ordonho II de Leão/Sancho Garcés I
939
Simancas
Califado omíada vs. Reino de Leão
Vitória cristã
Abd-al-Rahman III/Ramiro II




O nascimento do Al-andaluz

Após a rápida conquista muçulmana no período de 711-18, a península ibérica, quase na sua totalidade ficou transformada numa província do império omíada e passou a ser designada por Al-andaluz. Esta ficou dependente do califado omíada até à sua dissolução em 750. Nesta fase, a população muçulmana da península era composta por 3 grandes grupos étnicos que se juntaram à maioria nativa hispano-gótica de matriz cristã. Os árabes (a elite), que se instalaram nas zonas urbanas de onde conseguiam exercer as funções administrativas, os berberes, que se radicaram sobretudo nos meios rurais, e os sírios dos quais fazia parte a própria dinastia omíada. Estes grupos faziam parte das primeiras forças invasoras.  Entre 711 e 756, 21 governadores (wali) dotados de poderes militares, administrativos, judiciais e religiosos, (um pouco ao jeito dos duces visigodos) governaram a península em nome dos califas de Damasco.




O emirado

Fugido da chacina que depôs a sua família do trono de Damasco em detrimento da nova dinastia dos abássidas (que passaram a sediar-se em Bagdad), o omíada sobrevivente, Abd-al-Rahman, refugiou-se no al-andaluz, a província mais longínqua do califado, onde chegou em 755. Conseguiu unir um território dilacerado pelas lutas entre árabes e berberes e após conquistar Córdova, com o apoio dessas tribos proclamou-se emir em 756 e criou assim o emirado de Córdova. Em 773, Abd-al-Rahman I consegue a independência do novo estado em relação ao califado abássida. Contudo esta era uma independência de cariz político e administrativo, mas não religioso uma vez que Córdova e Bagdad mantinham a mesma unidade espiritual, o que atribuía aos Califas abássidas um estatudo hierárquico superior aos emires de Córdova.
De norte para sul, os emires criaram 3 regiões administrativas autónomas (“marcas”) dependentes do poder central de Córdova. A marca superior, com capital em Saragoça, a marca central, com sede em Toledo e a marca inferior com capital em Mérida.
Após os governos de Hisham I (788-796) e Al-Hakam I  (796-822), o emirado atinge o seu esplendor com o advento de Abd-al-Rahman II (822-852) que foi o verdadeiro dinamizador do estado islâmico peninsular nesta fase. Foi um escritor e poeta talentoso, fomentou as artes, as ciências e a agricultura, dotou a capital de águas, banhos públicos, escolas e excelentes vias, embelezando-a com formosos monumentos.



O califado de Córdova
 
Um trineto de Abd-al-Rahman II, Abd-al-Rahman III, foi simultaneamente o último emir (912-929) e o primeiro califa do Al-andaluz (929-961). É considerado o príncipe mais bem sucedido da dinastia omíada, conseguindo tornar um estado tão heterogéneo como o califado de Córdova num dos estados mais poderosos e evoluídos da Europa. A sagacidade, cultura e diplomacia do califa fizeram com que prosperidade e prestígio se tornassem sinónimos do seu reinado, a ponto de Córdova rivalizar durante o século X com as grandes metrópoles Constantinopla e Bagdad  em matéria de poder, esplendor cultural, e até índices demográficos. Recentes descobertas arqueológicas aliadas às fontes da época, permitem estabelecer a população de Córdova num surpreendente número situado entre 150.000 e 1.000.000 de habitantes, fazendo de Córdova a cidade mais populosa da Europa.
Todo esse prestígio permitiu a Abd-al-Rahman romper com as tradições e reclamar para si o título de califa aos Fatímidas do norte de África e aos Abássidas do médio oriente, que por seu turno não abdicaram de reivindicar os seus direitos. Passaram assim a existir em simultâneo 3 califas, um xiita, os outros dois sunitas.
Os grandes méritos do longo governo de Abd-al-Rahman III prendem-se com as sábias decisões políticas tomadas e a conjugação favorável de factores externos.  Para começar, o emir/califa conseguiu unificar o Al-andaluz, mais uma vez vitimado pelas endémicas rivalidades inerentes à coabitação dos diferentes grupos étnicos e religiosos que o povoavam, todos rivais entre si. Depois, Abd-al-Rahman teve consciência da importância de dominar pacificamente as populações não muçulmanas da península (a maioria da população), e estas por seu lado, ansiavam por um líder forte que as protegesse das garras tirânicas da aristocracia árabe que os governava localmente.  Assim, o califa omíada foi um líder muito tolerante e generoso para judeus e cristãos aos quais concedeu grandes privilégios.
O convívio com os reinos cristãos do norte da fronteira, apesar do desastre de Simancas às mãos de Ramiro II de Leão foi relativamente pacífico, o que fez deste longo reinado de quase 50 anos um oásis no meio da constante turbulência interna e externa em que vivia o Al-andaluz.

Esta estabilidade fez disparar a economia do califado, tendo sido cunhadas nesta época grande quantidade de moedas de ouro e prata e construídas grande número de obras públicas como a escola de medicina de Córdova, uma vasta rede de escolas, bibliotecas, a universidade ou a cidade palatina de Medina al- Zahara, verdadeira maravilha arquitectónica da antiguidade, aquilo a que hoje se poderia chamar um condomínio de luxo que tinha por objectivo servir de residência ao califa e albergar toda a sua corte, governo e séquito de oficiais administrativos. Com alguma audácia, podemos vislumbrar um Versalhes do século X versão islâmica.







A civilização do al-andaluz

Muitas foram as mudanças que a ocupação muçulmana trouxe à península. Começando pela própria topografia urbana, verifica-se uma mudança de paradigma entre o modelo romano/gótico e o modelo islâmico. O centro das cidades passou a ser deslocado de acordo com este último modelo e a ser composto pela mesquita e pelo mercado (ou suq) considerados espaços públicos e por isso mesmo dotados de ruas largas e praças onde os comerciantes e os artesãos trabalhavam e exibiam os seus produtos aos clientes. Os bairros e as zonas residenciais, considerados espaço privado por contraponto, caracterizavam-se por possuír ruas estreitas, labirinticas e sinuosas, delimitadas por muros e com portões que se fechavam de noite.  Hoje em dia, em muitos centros históricos de muitas vilas e cidades do antigo al-andaluz se pode constatar essa essência e as almedinas berberes marroquinas ainda apresentam uma concepção de acordo com este modelo.
Para lá das muralhas da urbe estendiam-se os subúrbios (ou arrabaldes) onde normalmente eram confinadas as minorias não muçulmanas ou etnicamente inferiores. Vem daqui a criação das judiarias, dos bairros cristãos, dos bairros muwalladun (cristãos recém-convertidos ao islão) e dos bairros berberes.
Califado Al-andaluz - principais cidades
População (aprox.)
Córdova
+ de 100.000
Sevilha
52.000
Toledo
37.000
Almeria
27.000
Saragoça
17.000
Valência
15.000

A existência de cidades prósperas e de mercados florescentes assentava na existência de uma agricultura desenvolvida que garantia ao al-andaluz uma autonomia de abastecimento suficientemente forte para que houvesse grande escoamento de produtos para esses mesmos mercados.
Foi o sector agrícola um dos que a civilização islâmica mais veio revolucionar na península ibérica. Passámos de uma base vinícola, olivícola e cerealífera aliada à criação de gado nas terras pouco férteis, para um amplo desenvolvimento que veio juntar a estas, novas culturas. O sucesso? As técnicas hidráulicas herdadas e melhoradas da antiguidade (noras, moinhos de água, poços e aquedutos) e um complexo e eficaz sistema de irrigação que permitiu distribuir água nos terrenos de forma igualitária mesmo em tempos de seca. Expandiram-se assim as antigas culturas e permitiu-se a introdução de novas culturas como os citrinos, as romãzeiras, as figueiras, os damasqueiros, as alfarrobeiras, os frutos secos, as hortaliças, a cenoura, a beringela, os espargos, a cana-de-açúcar, o arroz entre outras.
A civilização da Hispânia islâmica manteve-se assim urbana na sua essência, mas com um conceito de cidade diferente, que incluía os subúrbios rurais.
 Córdova era o modelo a seguir por excelência.
O interesse pela ciência disseminou pelo Al-andaluz no tempo do califado motivado pela estabilidade política, aumento do número de conversões, proliferação da língua árabe e crescimento do número de letrados andaluzes. Nasce assim um pensamento original sustentado no estudo de obras de astronomia, matemática, farmacologia, botânica entre outras disciplinas científicas que beneficiaram amplamente da política de mecenato dos califas e depois dos emires das taifas. No século X Abderramão III encorajou o estudo da botânica enquanto o seu sucessor, Al-Hakam II (961-976) se interessou mais especialmente pela astronomia. A este califa se deve a glória de ter reunido uma biblioteca gigantesca e sofisticadíssima com dezenas de milhares de volumes. De fortes inclinações homossexuais, dele se diz que mantinha um harém de rapazes no seu palácio, tendo-lhe por isso sido difícil gerar um herdeiro. A Al-Hakam II se deve também a última grande ampliação da mesquita de Córdova e a construção da fortaleza de Gormaz. A sua morte marca o início do declínio do califado, que se acentua com a sucessão do seu filho Hisham II, à época uma criança de 11 anos, que se viria a revelar um fraco califa, dominado pelo poderoso ministro Al-mansur (938-1002) que era quem efectivamente exercia o poder no seu lugar.
Al-mansur, político hábil que subiu a pulso na carreira, ocupando cargos administrativos de maior ou menor relevância desde os tempos de Abd-al-Rahman III, revelou-se também um fervoroso jihadista, constituindo um terror para os reinos cristãos peninsulares, cujas incursões e saques não pouparam nada nem ninguém, nem sequer o santuário sagrado de Santiago de Compostela, saqueado violentamente em 997, o que contribuiu ainda mais para alimentar o ódio entre cristãos e muçulmanos.


A fitna

Em 1009, um bisneto de Abd-al-Rahman III, Muhammad II organiza um golpe de estado onde é assassinado o filho e herdeiro de Al-mansur, Abd-al-Rahman Sanchuelo e onde é deposto o califa Hisham II. Começa assim a fitna, a guerra civil do Al-andaluz. Uma intensa luta pelo poder que gerou um período de instabilidade política que iria conduzir ao fim do califado em 1031.
A força do califado omíada assentava na união das várias tribos árabes e berberes que o compunham que faziam deste estado um estado poderoso e temido pelos vizinhos cristãos do norte. O colapso do império e consequente instabilidade, levou à divisão do estado em pequenos reinos independentes, os reinos de taifas. Estes reinos por seu lado, enquanto estados independentes, também rivalizavam entre si, de modo que se assistiu a uma divisão de poderes cada vez maior e a um gradual enfraquecimento do poderio militar dos muçulmanos peninsulares. Esta situação foi a oportunidade pela qual os reinos cristãos da península tanto esperavam e assim, durante o século XI conseguiram grandes conquistas territoriais à custa do al-andaluz.
A queda do califado omíada iniciou deste modo um lento e continuado declínio de poder do mundo islâmico na península que nem o ressuscitar almorávida e almóada dos séculos seguintes conseguiu inverter.