terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A idade dos castelos – 1ª parte - A conjuntura histórica




Pode um tipo de edifício identificar por si só toda uma época? Pode. O castelo está para a idade média como as pirâmides estão para o antigo Egipto.


É um tipo de estrutura que toda a gente conota com a época medieval e cuja imponência desperta ainda hoje o imaginário das pessoas que o visitam. Serve nos dias de hoje maioritariamente como atracção turística e para recrear épocas passadas, mas continua a ter uma aura mística que o tempo não apaga.

Neste artigo iremos analisar sob o ponto de vista militar esse tipo de edifício e tentar compreender a sua verdadeira relevância num mundo e numa sociedade bastante diferentes das dos dias de hoje em que a guerra e a religião andavam de mãos dadas e em que as duas classes sociais que os representavam (nobreza e clero) sendo em muito menor número que a terceira (povo) tinham um papel dominante e decisivo na sociedade medieval europeia. Iremos no entanto, circunscrever-nos na medida do possível ao caso português.



De uma forma genérica, podemos definir a fortificação como sendo um local de segurança face a um ataque, mas também de defesa activa, um centro onde os defensores estão salvaguardados de adversários em número superior  e também uma base a partir da qual se pode impôr controlo administrativo e militar sobre uma área. A fortaleza deve controlar uma área suficientemente produtiva para albergar uma guarnição em tempos normais e ser suficientemente grande e segura para acomodar, abastecer e proteger essa mesma guarnição em caso de ataque cerrado.
As fortalezas variaram conforme as suas tipologias arquitectónicas, evolução e composição material. Partindo da matriz romana, e limitando-nos aos “limes” do antigo império, podemos concluir que ao entrar pela alta idade média uma fortaleza anglo-saxónica evoluiu para um formato diferente do de uma bizantina por exemplo, no entanto ambas tinham subjacente os mesmos objectivos defensivos e de controlo do território.

Em cima - Castelo Inglês em Kent

Em baixo - Castelo Bizantino



Fortalezas firmemente defendidas e bem abastecidas de provisões sempre foram muito difíceis de conquistar em todas as épocas antes da era da pólvora. Essas fortalezas tanto podiam existir individualmente como fazer parte de uma rede defensiva composta por várias unidades. E podiam não só ser componentes de uma defesa estratégica como instrumentos desafiadores para uma autoridade central.

Na alta idade média assiste-se a um fluxo rural por contraste ao fluxo urbano que se verificara no período imperial. As cidades deixam de ter o domínio exclusivo do poder político e este acaba por dispersar-se juntamente com a população. Portanto, para garantir a segurança do território adjacente aos novos aglomerados populacionais, sentiu-se necessidade não só de erguer muralhas, mas criar uma rede de castelos, torres defensivas e atalaias que formavam um sistema defensivo para o território.

Na península Ibérica, a monarquia visigótica, após subjugar os Suevos e os Vândalos e ter unificado a península na sua coroa, introduz uma progressiva desmilitarização da paisagem. Esse factor verificou-se determinante para a rápida conquista do território peninsular por parte das forças muçulmanas. Com poucas fortalezas dignas desse nome, os invasores islâmicos, após vencerem os visigodos na batalha de guadalete, puderam avançar pela península adentro a seu belo prazer.

O castelo é uma das mais significativas inovações que a idade média introduziu nas paisagens europeias. A forma que essas estruturas assumiram até ao advento da reconquista cristã na Península Ibérica foi a do povoado fortificado. Com o início da reconquista assiste-se ao aparecimento de uma nova estrutura arquitectónica, exclusivamente militar, concebida para albergar não um povoado, mas antes uma pequena guarnição de soldados encarregue de velar pela segurança de um território.

A origem do castelo, na acepção restrita do termo, enquanto estrutura muralhada definindo pequeno espaço onde se concentra uma guarnição de soldados, deve procurar-se nos primórdios do processo de Reconquista, encetado por Afonso I das Astúrias a partir dos meados do séc. VIII.
O caso português encontrou assim um denominador comum a todo o mundo ibérico. Todos os reinos cristãos estavam desde o século VIII em guerra contra os invasores muçulmanos.
No território luso, terá sido o século IX (reinado de Afonso III) que terá marcado o início do nosso “encastelamento”.

 Nestes tempos de belicismo feroz, era em torno dos castelos que se fixavam as populações em busca de protecção. Isso explica que grande parte dos forais medievais fossem concedidos a povoados com castelos.
Em caso de ataque por parte das forças inimigas, os castelos funcionavam como último reduto defensivo. Por este motivo começou a preocupação dos líderes militares em lhes providenciar fontes de água (através da abertura de poços ou construção de cisternas), albergues para a guarnição e alguma população, oficinas para fabrico de armas e compartimentos para armazenamento de víveres.
As inovações arquitectónicas a que as fortificações medievais estiveram sujeitas durante os séculos, reflectiam a repercussão das novas tácticas de assédio.
Ao longo de toda a idade média, o castelo serviu para muito mais que um simples reduto defensivo. Ele era o elemento regulador do sistema político, centro administrativo e militar de um território, lar do rei ou do senhor feudal. O castelo foi precisamente o expoente representativo do sistema feudal, base do mundo medieval.