segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A idade dos Castelos - 3ª parte - A guerra de cerco


Terminamos este nosso périplo pela história militar da idade média com uma breve dissertação sobre a guerra de cerco.
A partir de meados do século XI, o conceito de guerra modificou-se. A preocupação principal deixou de ser o saque e os proveitos de guerra para passar a ser o controlo territorial. As acções militares passaram a ser cuidadosamente planeadas de modo a assegurar a ocupação do território conquistado, numa perspectiva diferente da guerra de pilhagem que visava o proveito económico imediato.
Fig. 1 - Cerco de Duras durante  a guerra dos 100 anos

         A guerra de cerco tinha por objectivo destruir através do desgaste e debilitar as forças inimigas atacando-lhes as estruturas militares e criando instabilidade. Estávamos perante uma perspectiva de conquista militar aliada a uma expansão territorial, princípios tão em vigor nos séculos XII e XIII portugueses aquando da “reconquista” cristã.
Fig. 2 - Cerco de Jerusalém na primeira cruzada
            Adquirir o controlo dos pontos fortificados passou assim a ser o objectivo dominante de uma campanha militar. Controlando a praça, controlava-se o território adjacente.

A instalação do cerco

Para se proceder à instalação de um cerco era habitual recomendar-se aos comandantes que escolhessem o Verão para levar a bom termo essa operação. Além das óbvias contingências climáticas favoráveis, nesta época os campos apresentavam mais alimentos. Isso iria facilitar a tarefa dos sitiadores e castigar psicologicamente os sitiados que, além de não poderem chegar a estes recursos, ainda seriam castigados psicologicamente vendo o fruto do seu trabalho fortalecer o inimigo.
Depois havia também a questão dos recursos aquíferos. No verão, o calor e a seca, além de aumentarem o consumo de água por parte das populações, também causavam a extinção de fontes e riachos. Se uma fortaleza não tivesse abundância de água durante o tempo de duração de um cerco e os sitiantes dispusessem dela com fartura, era certo que seria apenas uma questão de tempo até ao povo cercado capitular pela sede. A água era portanto um factor-chave para a vitória neste jogo de paciência. O mesmo se passava em sentido contrário i.e. se os defensores de uma fortificação tivessem abundância de água, provisões, armas e defesas, não teriam muitas dificuldades em resistir ao assédio contrário e muitas vezes forçavam o inimigo a levantar o cerco.
Assim, além dos factores clima e gestão de recursos, era também necessário observar e fazer uma análise prévia ao terreno limítrofe da fortificação. Isto para se escolher o melhor sítio para instalar o arraial (do ponto de vista ofensivo mas também defensivo) e programar a ocupação dos pontos mais importantes de onde poderia surgir a ajuda externa (estradas, cursos de água, pontes...). E caso a fortaleza que se pretendia cercar fosse um porto de mar, era fundamental proceder a um bloqueio marítimo.
Uma vez efectuadas as diligências preliminares, era chegada a altura de assentar o arraial. Por uma questão de funcionalidade e segurança, este deveria ficar próximo do objectivo, mas simultaneamente afastado o suficiente para evitar ser atingido por projécteis disparados pelas forças defensoras da praça. Por outro lado, se o exército dispusesse de número suficiente de homens, era recomendável que o arraial cobrisse todo o perímetro muralhado de modo a isolar ainda mais os sitiados. Caso não fosse possível cercar todo o recinto, o contingente era distribuído de forma a cobrir os pontos estratégicos necessários ao controlo do inimigo.
Outra questão fundamental relativa à hoste atacante, era o elevado grau de organização e disciplina que esta deveria ter. Com o tempo a passar e a moral a caír, só uma hoste bem disciplinada conseguiria manter os índices de concentração elevados para conseguir triunfar.
A segurança preventiva era outro factor de especial importância a ter em linha de conta. Desta forma, os chefes militares salvaguardavam o pessoal do acampamento. Ordenavam então que se fortificassem com paliçadas, trincheiras e fossos os limites do arraial e se instalassem pequenas torres de vigia para evitar eventuais contra-ataques das gentes cercadas. Uma permanente vigia diurna e nocturna com recurso às torres e às patrulhas, asseguravam o funcionamento normal do acampamento.


Como podemos verificar, ao contrário dos primórdios das operações de cerco, na baixa idade média a estratégia de levar a cabo uma operação deste nível pressupunha um planeamento metodológico muito mais elaborado e criterioso. Por vezes, se as forças sitiantes e sitiadas se equilibravam, o assédio podia demorar meses, arrastando-se numa indefinição que não favorecia nenhum dos lados em confronto.
Um dos factores que poderia desiquilibrar a contenda a favor das forças atacantes eram a programação da logística e a eficácia das linhas de abastecimento. Com efeito, a questão do abastecimento constituía um problema nuclear da hoste que cercava a fortaleza. Havia então de assegurar a vigilância da linha de abastecimentos e proteger os homens que se afastavam periódicamente do arraial para obter mantimentos e forragens para os animais.


A ofensiva: As máquinas de guerra

A partir de meados do século XI começam a ocorrer os cercos prolongados no território português. O primeiro caso registado foi o de Lamego (em 1057), mas temos também o de Coimbra (1064), ambos levados a cabo por Fernando Magno de Leão. Já no século XII, nos primórdios do reino de Portugal, temos ainda o cerco de Lisboa (1147) executado por D. Afonso Henriques e o de Silves (1189), por D. Sancho I. Os quatro resultaram em vitórias para os sitiantes.
            Nos grandes cercos entre forças equilibradas, como o foram estes, o recurso à engenharia bélica podia desiquilibrar a contenda a favor dos sitiantes.
            De acordo com os estudos do grande historiador militar britânico, professor John Keegan, as máquinas de guerra são tão antigas como as tácticas de cerco em si. Segundo ele, desde a antiguidade que as grandes civilizações utilizavam estas máquinas de assédio, das quais as medievais descendiam por afinidade. Assim, é no antigo Egipto que surge a primeira representação de um Aríete (datada de 1900 a.c.). Relatos escritos da guerra de cerco grega revelam o aparecimento do primeiro dos engenhos para arremesso de projécteis: a Catapulta. Datada de 398 e 397 (a.c.). As Torres Móveis por sua vez, imortalizadas entre nós na tomada de Lisboa aos mouros, aparecem já representadas na Mesopotâmia num relevo datado de 745-727 (a.c.). Há também alusões ao uso de fogo para atacar os portões e o interior das fortificações, às técnicas de interrupção do abastecimento de água aos sitiados e o bloqueio aos géneros alimentares, levando-os à capitulação através da fome e da sede. Todas estas são técnicas comuns à idade média mas, como se vê, com uma origem bastante mais recuada.
É durante o século XII que se generaliza o recurso às máquinas de cerco quer em Portugal, quer no resto da Europa e no contexto das cruzadas. Na realidade, neste período os engenhos conheceram um notável desenvolvimento e dominaram os cenários de guerra até finais do século XIV, altura em que a revolução da pólvora os foi substituindo gradualmente pelos trons e as bombardas.
Fig. 3 - Algumas das principais máquinas de guerra usadas na idade média
            Os engenhos ou máquinas de cerco são uma série de armas que aplicavam dois princípios distintos no arremesso de projécteis: a torção de cordas (catapultas e balistas) e o sistema de contrapeso ou tracção (trabucos). Como outras armas regularmente utilizadas durante o assédio às fortificações tínhamos ainda o aríete e a torre de assalto. Estas estavam direccionadas ao ataque a curta distância.
            Comum a todos estes engenhos é que para a sua concepção e manobra precisavam de pessoas especializadas na arte de desenvolvimento das máquinas de assédio. É neste contexto que surgem na idade média os engenheiros, então conhecidos como “mestres de engenho”. Para se ter ideia da importância que estes tinham na manobra militar em Portugal, na época da reconquista, D. Sancho I recompensou através da concessão de terras e privilégios, um dos mestres de engenho – “Domno Michaeli magistro ingeniorum” pelos serviços prestados à coroa durante o cerco de Silves.
            As armas de arremesso de projécteis podiam disparar grandes dardos (balista) ou pedras de grandes dimensões, projécteis incendiários e carcaças de animais (catapultas e trabucos). O objectivo era enfraquecer ou abrir brechas nas muralhas dos castelos, incendiar as casas do seu interior ou espalhar doenças na população sitiada.

Fig. 4 - Protótipo de uma catapulta medieval
            Catapulta ou Mangonel – Descendentes directas do Onagro romano, as catapultas, tal como os trabucos, eram máquinas de guerra de longo alcance. Qualquer pedra lhes servia de munição, mas era habitual aperfeiçoar as pedras até estas ficarem esféricas para voarem melhor. Normalmente, um cordão de corda ou de crina de cavalo mantinha sob tensão um braço comprido munido de uma cavidade onde era carregada a pedra (o braço tinha a forma de uma colher). Uma vez direccionada a catapulta ao seu objectivo (as catapultas tinham rodas e portanto eram móveis, ao contrário dos trabucos que eram estáticos), soltava-se a corda e o braço saltava arremessando a pedra.
            Foi talvez a arma mais difundida de todas as armas de cerco da idade média, pois, além de ser mais pequena, permitia um ritmo de tiro maior que o trabuco por exemplo (embora este tivesse efeitos mais devastadores).

            Trabuco ou Trabuquete – Era uma arma de sítio que se baseava nos princípios do contrapeso ou da tracção. Em qualquer dos casos a sua forma era semelhante: uma estrutura em T ou V invertidos, com um eixo na parte superior no qual se articulava um braço móvel. Este braço era preso de forma assimétrica, com o braço grande destinado ao projéctil (que normalmente era de maiores dimensões do que o da catapulta, pois assentava numa cavidade maior) e o braço pequeno destinado ao contrapeso ou às cordas que eram puxadas pelos guerreiros para arremessar o projéctil. A solução mais utilizada parece ter sido o trabuco de contrapeso, pois libertava os guerreiros responsáveis pela sua tracção para outras funções. Dele encontramos na Península Ibérica representações epigráficas e registos cronísticos e documentais em maior número.
Fig. 5 - Reconstituição de um trabuco medieval
            Inventado na China, aparece na bacia mediterrânica em 624 (d.c.) no contexto da expansão muçulmana. Pensa-se que teria sido difundido mais tarde por toda a Europa cristã pelos cruzados (pois só existem registos documentais do seu uso depois da primeira cruzada), tendo sido uma das máquinas utilizadas por estes durante o cerco de Lisboa de 1147.
            A desvantagem em relação à catapulta era que, além de não ser móvel, tendo muitas vezes de ser montado no próprio local de assédio, o trabuco tinha uma cadência de tiro mais lenta. Entre as vantagens encontram-se a maior destruição que os projécteis causavam com o embate (devido à curva parabólica que efectuavam). O trabuco também podia arremessar diversos tipos de objectos/animais e a maiores distâncias que a catapulta evitando o fogo inimigo. Assim tornava-se mais nefasto quer para as pessoas quer para as construções. Popularizou-se até aos finais da idade média.

            Balista - A primeira característica que salta à vista desta arma é o facto de ela ser muito semelhante a uma grande besta, sendo por vezes designada por “besta de terreiro”. Como tinha rodas, fazia lembrar uma besta montada num carro. Se formos mais ousados, conseguimos detectar nela um possível antepassado medieval dos tanques de guerra actuais. Tal como a catapulta, a balista assentava o seu funcionamento no princípio da torção de cordas. Tinha estrutura em T e dois braços paralelos e independentemente ligados (ao contrário da besta que tinha um arco uno) nas pontas por uma corda forte e estes por sua vez, ficavam ligados a um sistema vertical de cordas torcidas. A estrutura ficava assente, como já vimos, sobre rodas. Para se armar a balista era necessário puxar a corda para a retaguarda do engenho, com auxílio do sistema de engrenagens que a compunham. À medida que a corda era puxada, os dois braços ficavam sujeitos a uma enorme pressão exercida pelos sistemas de cordas torças. Depois, colocava-se o projéctil – normalmente um grande dardo de cabeça metálica ou incendiária – e a balista ficava pronta a disparar.
Fig. 6 - Uma balista
            Vantagens da balista em relação a outros engenhos: permitia tiro com alguma fiabilidade e precisão, uma cadência elevada e podia ser transportada facilmente e montada no alto das torres mais largas dos castelos. Era portanto uma arma com grande importância quer do ponto de vista ofensivo quer defensivo. Utilizava-se nos cercos como arma incendiária tanto pelos sitiantes como pelos sitiados. Entre nós utilizaram-se balistas durante os cercos de Lisboa (1147) e Silves (1189).

            Torres de assalto - também designadas como torres móveis, eram estruturas de madeira de grande envergadura, revestidas com terra e peles de animais e que podiam transportar guerreiros no seu interior. Possuíam igualmente orifícios que permitiam o ataque das forças balísticas durante a sua deslocação. Apesar de dotadas de rodas, não podiam ser deslocadas ao longo de grandes distâncias devido ao seu peso e à instabilidade dos terrenos. Assim, as torres de assalto eram construídas no local de assédio e muitas vezes à vista das forças sitiadas que imediatamente se alarmavam e preparavam para responder à ofensiva. Essa contra-ofensiva constava normalmente, na tentativa de a incendiar quando esta investia na direcção de uma muralha ou de uma porta. Assim aconteceu por exemplo com a torre que os cruzados flamengos fizeram durante o cerco de Lisboa de 1147. À 2ª tentativa, para as proteger do fogo, os cruzados cobriram as torres com couro de boi húmido e desta forma já conseguiram alcançar as muralhas da cidade. Uma vez chegadas aos muros, as torres de assalto tinham a vantagem de oferecer alguma protecção aos soldados que os escalavam. E como as torres normalmente eram mais altas que os muros (da altura dos muros dependia a altura das torres), permitiam aos besteiros e arqueiros do seu interior que pudessem alvejar de cima para baixo os defensores, causando-lhes desta forma pesadas baixas quando se conseguiam aproximar.
Fig. 7 - O cerco de Lisboa com a célebre imagem da torre de assalto construída pelos cruzados
            Chegada à muralha, da parte superior da estrutura descia uma ponte levadiça que assentava na sua plataforma e que possibilitava aos soldados invadir o castelo ou a praça. Em simultâneo, poderia haver no andar inferior da torre um aríete accionado pela tracção dos soldados do andar que ia destruindo a base da muralha.  

            Aríete – A palavra é uma variante do latim “aries”, que significa carneiro. Era uma máquina móvel com 4 rodas e composta por um mastro de madeira com a cabeça revestida a ferro (muitas vezes com a forma de um carneiro, daí o seu nome), preso por meio de correntes ou de cordas fortes a uma estrutura de madeira em forma abobadada. Através do manejo das correntes e das cordas, os assaltantes faziam avançar e recuar a grande viga, imprimindo-lhe um movimento de vaivém que era aproveitado para demolir ou abrir brechas na muralha ou na porta. Após a abertura da primeira brecha no muro, colocava-se na cabeça do “carneiro” um gancho que servia para ir arrancando pedras à muralha, alargando desta forma o rasgo inicial.
Fig. 8 - Um aríete
            Para evitar que o aríete fosse incendiado pelo fogo inimigo, revestia-se a estrutura com peles de animais, cruas e húmidas, tal como se fazia com as torres de assalto. De resto os aríetes, como já fizemos referência, incorporavam muitas vezes a parte inferior destas torres.
            De acordo com os estudos de João Gouveia Monteiro, não há referência nas fontes portuguesas a este tipo de arma de assédio. Contudo, em virtude da sua importante intervenção na história bélica da idade média e em particular na guerra de cerco, da qual é uma das protagonistas no ataque a curta distância, achámos por bem dar-lhe o destaque merecido.

Cavas ou Minas – Também denominados trabalhos de sapa. Esta técnica de assalto a uma fortaleza consistia na escavação de túneis em direcção às muralhas do castelo com o objectivo de as derrubar ou entrar na praça. Era um processo moroso de trabalho e de resultado incerto, mas quando executado com êxito poderia ser a chave de sucesso para a vitória dos atacantes.
            Flávio Vegécio teoriza já no epitoma rei militaris o modo de executar a minagem: Esta consistia em escavar, tão discretamente quanto possível um túnel a partir de um ponto do arraial ao abrigo de uma casa ou tenda. Este tinha que ser profundo o suficiente para passar por baixo de eventuais fossos e dos alicerces das muralhas, largo o suficiente para nele caberem os homens e comprido o bastante para chegar às muralhas. Uma vez alcançadas, deitava-se fogo à base da muralha ou da torre de modo que o calor nas pedras a fizesse entrar em colapso e a derrubasse. Esta técnica, bastante popular nos séculos XIII e XIV, não se revelou no entanto muito eficaz, pois além de demorada, os inimigos apercebiam-se dela regularmente e defendiam-se da mina facilmente, quer fazendo uma contramina, quer emboscando os atacantes.


Os engenhos eram considerados vitais para o sucesso de uma operação de assédio devido ao papel que desempenhavam na destruição das defesas do inimigo, quer derrubando muralhas e torres, quer incendiando casas e construções da praça sitiada. Podiam ser utilizados em simultâneo com outras técnicas de assédio que já aqui enumerámos, o que dava maiores probabilidades de sucesso aos atacantes. Até aos finais da idade média estes eram ainda considerados muito mais úteis do que os engenhos pirobalísticos que com eles começavam a conviver. Imprecisos e ainda primitivos, os trons e as bombardas utilizavam-se nos seus primórdios mais como recurso defensivo, porém sem grandes resultados. Tomemos como exemplo de comparação entre os dois sistemas este trecho da crónica de D. João I de Fernão Lopes aquando do cerco de Melgaço de 1388:

 «tendo jaa os da vila lamçadas pedras de troons que nam fezerão porem damno, mandou el-Rey armar um enjenho acima da ponte da villa. E logo essa quarta feyra lançou cinquo pedras,e três foram dentro no logar e duas deram no muro. E respomderan-lhe de dentro com doze pedras de troons, que nenhum damno fezeram. A quinta feyra lançou o enjenho xxv pedras, das quaes deram xvi no muro e duas em dous caramanchões que foram logo deribados. E as nove cahiram dentro na villa, que fezeram gram perda em cassas que deribarão (…) temdo lançadas da villa de dentro ao arrayal cento e xx pedras de troons, que nenhuum nojo fezeraão, e do arrayal a villa trezemtos e xxxvi que danaram gram parte della»


A resistência

Tendo analisado o ponto de vista dos atacantes, iremos agora analisar o ponto de vista de quem resistia a um cerco: i.e. o dos sitiados.
            Para se preparar a resistência a um cerco teria de haver por parte dos seus defensores um notável planeamento, aliados a grande sentido de organização e espírito de sacrifício. Por vezes, a sorte também ajudava (como ajudou o Mestre de Avis, aquando do cerco castelhano a Lisboa em 1384, levantado devido a um surto de peste no arraial castelhano). No entanto, e até ao efectivo triunfo das armas de fogo, os meios defensivos tinham ainda considerável vantagem sobre os ofensivos.
            Mais que os homens ou os projécteis, os grandes inimigos da hoste sitiada eram a fome e a sede. Era fundamental proceder à recolha prévia do maior número possível de mantimentos e água.
            Uma resistência eficaz implicava também que se pudesse contar com uma guarnição relativamente numerosa (ou não sendo possível em número, pelo menos em extensão a toda a muralha), fiel, disponível e motivada para o combate. A esta guarnição pedia-se regularmente que trabalhasse na vigia, diurna e nocturna aos pontos fracos do castelo. Esta tarefa de grande responsabilidade só teria sucesso no entanto se as estruturas do castelo (muralhas, torres, barbacãs) se encontrassem em bom estado de conservação, pelo que era fundamental proceder ao exame prévio do castelo quando se previsse que este iria ser assediado. Se houvesse tempo, o ideal seria reforçar-lhe as defesas (ex: instalar matacães nas torres, cavar fossos em redor da fortaleza, etc.), procedendo a obras não muito demoradas, mas eficazes.
            Para responder aos ataques inimigos, também era muito importante dispor de armamento em quantidade e qualidade. Para se retaliar da melhor forma ao fogo adversário, mas também porque nunca se sabia ao certo o tempo que um cerco poderia durar, logo era essencial dispor de armas e munições em abundância.
            Preparadas as defesas, era chegado o momento de espera pelo assalto. Quando o atacante iniciava a manobra, a primeira coisa que o defensor deveria fazer era evitar a todo o custo que este chegasse às muralhas e torres. Para isso, os arqueiros e besteiros disparavam uma chuva de setas e virotes, que poderiam vir acompanhados de pedras, de dardos de balista, de projécteis de catapulta (no caso das fortificações que tinham armas de cerco para se defenderem) e de águas e óleos ferventes.
Uma técnica eficaz de reter o avanço das linhas inimigas era incendiar-lhe ou quebrar-lhe as estruturas que se dirigiam ao castelo e espalhar armadilhas à volta da muralha. Era normal então os arqueiros terem no adarve, além do alforge cheio de munições, um braseiro e setas inflamadas para poderem disparar e pegar fogo às armas do adversário.
A falta de mantimentos era o maior problema com que se deparavam os sitiados enquanto decorria o cerco. Neste ponto, descreve-nos Fernão Lopes, aquando do cerco castelhano de 1384 o seguinte:

 «E esto fartou assim a cidade apertadamente que as publicas esmolas começavam de fallecer, e nenhuma geração de pobres achava quem lhe dar pão de guisa que a perda commum vencendo de todo a piedade, e vendo a grande mingua dos mantimentos, estabeleceram deitar fora as gentes minguadas e não pertencentes pera a defensão. E esto foi feito duas ou três vezes, até lançar fora as mancebas mundanárias e judeus, e outros similhantes, dizendo que, pois taes pessoas não eram pera pelejar, que não gastassem mantimentos aos defensores…»


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

A idade dos castelos – 2ª parte – Tipos de castelos e sistemas defensivos

Tipos de castelos

Por ordem cronológica e de uma forma simplificada, podemos identificar quatro tipologias de castelos durante a idade média em Portugal. São eles:

  • Castelos roqueiros
  • Castelos condais
  • Castelos românicos (com e sem influência muçulmana)
  • Castelos góticos


Castelos roqueiros – Apesar de no contexto peninsular remontar a uma época mais antiga, o castelo propriamente dito, resultante do primeiro “encastelamento” no espaço português, terá aparecido entre nós no século IX por época de Afonso III das Astúrias. Diz-nos o professor Mário Barroca que terá sido um castelo roqueiro, cujo primeiro registo data de cerca do ano 870 no actual território bracarense próximo do rio Ave. A conclusão que resulta da análise aos (poucos) vestígios dessas estruturas, mostra que seriam estruturas rudimentares, referidas na documentação da época como «monte», «mons», «castrum» ou «alpe». Correspondiam precisamente a um monte ou outra elevação em que se procedia a obras básicas de fortificação. Deslocavam-se terras para criar desníveis de cota e construiam-se muros incipientes, frequentemente em forma de talude e compostos por um aparelho de terra e pedra. Muitas vezes aproveitavam-se os afloramentos rochosos existentes no local para se incorporar na própria linha da muralha (daí o nome “roqueiro”), por forma a minorar os custos e o esforço de construção.
Fig.1 - Castelo de Penela - Construção em afloramento rochoso
Estes castelos roqueiros, cujos vestígios entre nós são muito escassos, terão sido construídos por iniciativa das populações locais. Seriam fortificações arquitectónicamente primitivas, de dimensão reduzida, com uma única entrada, sem torre de menagem, torreões, adarves, ameias e outras estruturas de defesa activa que só apareceriam muito mais tarde. Eram locais de refúgio para as populações, que neles se recolhiam com alguns bens e gado, fugindo assim das incursões inimigas.
Um exemplo de castelo roqueiro é o caso do castelo de Penela. Este castelo representa um caso curioso de coincidência entre a nomenclatura castelar e o nome da região. Passamos a explicar: Sabemos que
penella, derivado de pena ou penha, designava um castelo erguido entre e sobre os rochedos. Poderíamos, portanto, identificar essas penellas com estruturas similares aos castelos roqueiros do primeiro encastelamento do Entre-Douro-e-Minho.

Castelos condais – Depois do primeiro encastelamento do séc. IX surge o segundo encastelamento dos sécs. X e XI, que deriva da nova reforma administrativa dos territórios. Por iniciativa dos monarcas asturianos, os territórios passam a subdividir-se em condados (unidades políticas), territoria (unidades eclesiásticas) e civitates (unidades militares).

A construcção de castelos nessas
civitates visava a consolidação do território conquistado aos muçulmanos.

Por exemplo, a constituição da
civitas de Anegia. Os castelos transitam então de simples locais de refúgio para centros de poder político, cujo senhor era um conde ou “comite”.
Os condes normalmente eram nomeados régiamente entre as elites nobres para dirigir o território que lhes era destinado. Assim foi com Vímara Peres, vassalo de Afonso III das Astúrias que, em 868 foi nomeado conde de portucale e que foi o fundador de uma dinastia condal que governaria o território portucalense até 1071, altura em que o condado foi incorporado no reino da Galiza.

Os castelos condais já obedeciam a uma concepção arquitectónica mais sofisticada que os seus antecessores. O grande exemplo de castelo condal em Portugal é o castelo de Guimarães, fundado pela condessa Mumadona Dias por volta de 950 com o intuito de proteger o recém-construído mosteiro de Guimarães dos ataques normandos. Outros exemplos são o castelo de Vermoim, o de Lanhoso e os dez castelos de D. Flâmula do Entre Douro e Minho, registados documentalmente (Trancoso, Moreira de Rei, Longroiva, Numão, Muxagata, Meda, Penedono, Alcarva, Sernancelhe e Caria).
Fig. 2 - Castelo de Guimarães


Os castelos de Póvoa de Lanhoso e Trancoso:

Em relação ao castelo de Lanhoso, datado inicialmente do século X e reconstruído no XI, da sua composição inicial poucos são os vestígios que subsistem inalterados, contudo é possível detectar a nível da sua estrutura base alguns elementos que o identificam como castelo condal, como a alcáçova senhorial (elemento ilustrativo das suas funções como centro governativo) e a muralha de excelente qualidade (por oposição às muralhas dos castelos roqueiros) construída já com aparelho pré-românico. Também a nível estrutural, de realçar a introdução de diversos torreões adossados quer à porta, quer ao recinto muralhado.
Fig. 3 - Castelo de Póvoa de Lanhoso 
Em Trancoso, encontramos no seu castelo um dos principais vestígios da arquitectura militar moçárabe e simultaneamente um antecessor das torres de menagem do período românico (cuja função viria a cumprir antecipadamente). Trata-se da torre moçárabe do século X. Esta torre, datada de cerca de 960 (anterior, portanto ao aparecimento das primeiras torres de menagem) tinha uma forma tronco-piramidal com 12 metros de lado. Não era esquadriada, pois não possuía ângulos rectos e tinha uma janela em forma de arco de ferradura, característica da arte visigótica e islâmica.
Fig. 4 - Torre moçárabe do castelo de Trancoso

Castelo Românico – Em Portugal é uma construção maioritariamente de pedra, ao contrário de outras zonas da Europa em que a madeira era muito aplicada. O românico é o modelo arquitectónico dominante quer na arquitectura civil, quer religiosa e militar do século XII.
Os castelos eram agora concebidos com vista a obedecerem aos princípios de comando e de defesa passiva, não descurando, no entanto a busca pela contra-ofensiva.
Ao princípio de comando está intimamente ligada a maior inovação introduzida durante este período: a introdução das torres de menagem. Estas, situavam-se no interior do páteo cercado pela cintura muralhada do castelo e seriam construídas ou numa cota superior à do restante recinto ou , não sendo possível, com uma altura maior que o restante da estrutura. Assim, a partir da torre de menagem, organismo central do castelo, organizavam-se os dispositivos de defesa das restantes linhas. Por este mesmo princípio ficava definido que os torreões também se deveriam situar acima da cota do adarve.

Já o princípio de defesa passiva pressupunha uma grande resistência por parte da estrutura para suportar as operações de cerco, que se iam aprimorando cada vez mais. O aumento da altura e espessura das muralhas, conferindo a robustez como factor intimidatório ao inimigo era uma das táticas utilizadas frequentemente. Também se tentava isolar o castelo do inimigo construindo-o num lugar ermo e quase inacessível (como nos casos de Marvão ou Sintra) ou dentro de um curso de água ou com um fosso à volta (Almourol; fig. 4). O castelo românico tinha o modelo arquitectónico que a maioria das pessoas associa à palavra “castelo”: uma estrutura delimitada por muralha, dotada de um pátio interno e com uma torre de menagem.
Fig. 5 - Castelo de Almourol (séc. XII). Período românico
A muralha, diferente de um muro ou de um talude, por ser mais espessa e toda em pedra, era adossada com vários torreões e erguia-se duas ou três fiadas de pedra acima do adarve formando o parapeito que era coroado pelas ameias ou merlões, separados entre si por espaços regulares (as abertas) por onde os defensores arremessavam projécteis aos atacantes. A muralha delimitava um pátio geralmente de dimensões reduzidas destinado a albergar a guarnição com a sua logística, algumas instalações, oficinas e um poço ou cisterna, elemento essencial para se resistir ao assédio inimigo.
Não se sabe ao certo o ano em que surgiram entre nós as torres de menagem, no entanto, com base nas referências documentais e epigráficas, podemos balizar essa data algures na primeira metade do século XII. À semelhança dos torreões, as primeiras torres de menagem eram de planta esquadriada, com 7 a 8 metros de lado e altura de cerca de três andares. O acesso à torre fazia-se por uma porta rasgada no primeiro andar, servida por uma escada móvel de madeira que podia ser recolhida em caso de ameaça. O andar térreo não tinha porta exterior e podia ser maciço. Não sendo, servia para guardar víveres, bens ou armamento e acessava-se apenas pelo interior da torre. Os outros pisos tinham aberturas estreitas (seteiras) de ranhura vertical adaptadas ao tiro com arco. Funcionava desta forma o “donjon” (nome francófono) ou “keep” (nome anglófono) como fortaleza dentro da própria fortaleza, último reduto de defesa para os sitiados, isolado no pátio das restantes estruturas e detendo as cotas mais elevadas por forma a comandar os restantes dispositivos do castelo.

As influências muçulmanas

De uma forma geral, a qualidade dos castelos muçulmanos do Al-andaluz era bastante superior à dos castelos cristãos do norte. Os mais antigos castelos muçulmanos na península – os husun emirais e califais – eram estruturas geométricas de planta simples quadrangular ou rectangular, dotadas de torreões nos ângulos e mais numerosos ao longo da cintura muralhada. Este era um modelo de influência Síria e Bizantina.
O esplendor do período califal, nomeadamente no tempo de Abd-al-RahmanIII e Al-Hakam II deu lugar à fitna e à queda do regime califal e à implementação da conturbada época da formação dos reinos taifas na península Ibérica. Com a invasão almorávida e subsequente reunificação do Al-andaluz como estado poderoso, novas ideias trazidas por estes do norte de África foram introduzidas na península dos finais do século XI. Começam assim a triunfar as muralhas de taipa. Os almorávidas foram igualmente responsáveis pelo desenvolvimento de um novo tipo de planta de castelo, com espaços poligonais irregulares delimitados por panos de muralha rectilíneos, onde cada inflexão da muralha se apoiava em torreões de planta quadrangular. É notória a influência que estas plantas exerceram, por exemplo, no castelo de Pombal.

Fig. 6 - Panorâmica do castelo de Pombal de influência almorávida

Com a ascensão dos Almóadas, no século XII surgem as mais fecundas novidades em termos de arquitectura militar que há a assinalar no território português e que muito iria influenciar a arquitectura militar cristã dos decénios seguintes. Estes são responsáveis pela difusão, entre nós, das torres albarrãs (que eram torres avançadas em relação à linha de muralha), das torres de planta octogonal (mais económicas e mais resistentes do que as esquadriadas aos trabalhos de minagem e aos engenhos de guerra), das portas em cotovelo e das couraças (troços de muralha que se desenvolviam perpendicularmente ao muro principal da fortificação para garantir o acesso a uma fonte de água). A sua origem é também, tal como no caso dos Almorávidas, norte africana.
Fig. 7 - Castelo de Paderne; construção em taipa e torre albarrã
Fig. 8 - Torre albarrã do castelo de Silves



















Sistemas tácticos defensivos

Subdivisão: Redes de castelos castelos torres atalaias

Os castelos podiam ser encontrados isolados na paisagem ou associados a fortificações de defesa das populações. Teriam como já referimos, função de defesa de pontos estratégicos vitais e de organização do espaço militar numa escala intermédia entre o território e a área que lhe era dependente.
As torres deveriam ser os tipos de fortificação mais difundidos. Eram de baixo custo, fáceis de erguer e exigiam uma guarnição pequena. Funcionavam como defesas avançadas e constituíam sérios obstáculos a qualquer força invasora que, ou perdia tempo a conquistá-las, dando oportunidade à preparação das defesas principais, ou se arriscava a ver a sua retaguarda ameaçada pelo corte da sua linha de abastecimento pelos defensores da torre.
Além das torres de defesa, de igual modo temos de fazer referência às atalaias. Estas tinham como função principal não tanto a resistência aos ataques, mas antes avistar e avisar as fortificações que lhe estavam mais próximas da presença de inimigos. Normalmente a sua colocação no terreno era próxima de locais de passagem, vias, pontes ou vales estratégicos. Constituía assim a primeira linha de defesa e ao mesmo tempo de alerta.
Fig. 9 - Ilustração mostrando o castelo de Olivença. Do lado esquerdo da imagem temos uma atalaia
Nos territórios mais propensos a sofrer ataques muçulmanos, encontramos três tipos principais de organização defensiva. A defesa em linha, a defesa avançada e a defesa em profundidade.
A primeira aparece-nos como a mais óbvia, e está representada, por exemplo, pelo conjunto de fortalezas que se dispõem ao longo das margens de um determinado rio. Assim verificamos nas linhas do Douro e do Mondego, com os seus vários castelos distribuídos ao longo do curso dos rios. A adicionar a estes castelos, eram colocados alguns pontos de defesa secundários nos locais de fácil passagem, principalmente naqueles que proporcionavam vias fáceis de penetração. Ligando estas estruturas defensivas, uma rede de torres e atalaias servia de aviso a invasores e de sistema de comunicação entre as bases principais. A desvantagem deste sistema de defesa era que uma vez rompida a linha num ou vários pontos, o sistema tornava-se ineficaz. Daí ter-se chegado à conclusão de que seria necessário apostar nos outros sistemas, como complemento à defesa em linha.
Fig. 10 - Rede de castelos na linha do Tejo.
A defesa avançada é um sistema defensivo formado por duas linhas. Consistia numa fortificação ou rede de fortificações menores adiantadas e que serviam de “escudo” à fortificação de base que controlava a região. Temos como exemplo o castelo de Santa Maria da Feira, em Portucale, que estruturava a defesa avançada da região, composta por diversos castelos e povoações fortificadas, além dos acidentes geográficos e território acidentado que lhe pontificava nalguns acessos.
Quando possível de implantar na área geográfica, a defesa em profundidade é o sistema de protecção mais completo de entre os três que referenciámos. Consiste em 3 linhas defensivas, sendo que as fortalezas localizadas na linha intermédia, funcionam simultaneamente como linha de apoio à linha da frente e defesa avançada em relação ao território que lhe está na retaguarda (é o caso do sistema defensivo do Entre-Douro-e-Mondego, em que a linha do Vouga desempenhava este papel em relação às linhas do Mondego e do Douro). A eficácia deste sistema comprova-se com a manutenção definitiva de Coimbra e a estabilização da fronteira cristã no Mondego a partir de 1064, mesmo após as ferozes investidas almorávidas dos decénios seguintes.


Do castelo românico ao castelo gótico – As reformas Dionisinas


O que distingue uma muralha de um muro medieval, além da altura é também a espessura que poderia atingir entre 1,80m a 2m e nalguns casos até mais.
O castelo típico do século XII, de estilo arquitectónico românico, era uma estrutura militar obediente aos princípios da defesa passiva. Confiava na capacidade de resistência das suas altas e espessas muralhas para vencer o inimigo, desencorajando-o através do aumento progressivo da altura e espessura das muralhas a empreender um cerco.
O outro princípio associado aos castelos românicos peninsulares é o princípio de comando. Este consistia em organizar os dispositivos de defesa, sendo que da periferia para o centro estes iam tendo cotas cada vez mais elevadas. Esta disposição permitia que um organismo central comandasse todos os que estavam no seu exterior. É o caso dos castelos com várias linhas de defesa em que a interior comanda a exterior. Para que este princípio se verificasse, recomendava-se que os torreões se deveriam elevar acima da cota do adarve das muralhas (para controlo do caminho de ronda) e as torres de menagem teriam de ser as construções mais elevadas de todo o castelo (funcionando como central de comando).
O castelo românico, apesar da sua resistência, descurava no entanto os mecanismos eficazes de contra-ataque por parte das forças sitiadas. Este tipo de concepção revelou-se eficaz numa fase da táctica militar em que os cercos eram operações de duração mais ou menos curta, planeadas de forma deficiente, sem grandes apoios logísticos da retaguarda e em que só excepcionalmente se recorriam aos engenhos e às máquinas de cerco (como se verifica na tomada de Lisboa em 1147). Com o desenvolvimento das operações de cerco e o recurso à engenharia a generalizar-se, a arquitectura militar tendeu a evoluir e alterou-se em função dos princípios da defesa activa.
É nesta medida que D. Dinis, o Rei “Lavrador”, é considerado como o principal obreiro do melhoramento da defesa dos castelos portugueses. Deve-se à sua iniciativa, naquilo que parece ser um plano estratégico previamente conjecturado por parte do monarca, a introdução de reformas nos castelos românicos (tendencialmente a tornarem-se obsoletos). Estes iriam assim, através de obras de renovação, poder responder de forma mais eficiente às exigências da guerra de cerco. Os castelos foram assim dotados de novos mecanismos que lhes permitiram passar de um conceito de defesa passiva para um outro de defesa activa. Embora nalgumas regiões da Europa já se encontrassem estas alterações um pouco disseminada na arquitectura bélica (no reino da França, desde o tempo de Filipe Augusto se vinha a verificar essa tendência), em Portugal é sob a égide do nosso monarca D. Dinis que se regista um aumento considerável dos novos meios defesa/ataque nas fortificações medievais. Um reino a estabilizar política e económicamente e com as suas fronteiras já completamente definidas pelo Tratado de Alcanices (1297) levaram a que o Rei investisse com particular incidência na remodelação da arquitectura militar existente. As regiões de fronteira e os castelos de grande valor estratégico (ou seja, situados em regiões nevrálgicas ou junto a vias de acesso) foram os que mereceram maior atenção da parte do monarca.
As reformas instituídas por D. Dinis tiveram, além da componente arquitectónica propriamente dita, uma componente social de alteração de estatutos. O Rei inicia desta forma uma política (depois continuada pelo seu sucessor D. Afonso IV) de afastamento gradual da Nobreza das Tenências dos castelos, passando a confiar a sua guarda a Alcaides de nomeação régia. Atribui também aos Corregedores das comarcas as tarefas de verificação dos arsenais e de fiscalização e controlo do estado das fortificações. Ficava assim a coroa a tutelar e a assegurar a manutenção dos castelos, ao mesmo tempo que retirava poder aos Nobres, no que se pode considerar uma estratégia de centralização do poder Real.
Fig. 11 - Castelo de Belver na linha do Tejo
São claras as preocupações de D. Dinis e de D. Afonso IV quando incumbiram os corregedores de inspeccionar os arsenais dos castelos. Além de verificar se a fortificação possuía grande quantidade de armamento e de munições, os castelos passaram a ter oficinas de fundição para o frabrico de pontas de seta e de virotões, para que em caso de cerco nunca faltassem munições aos arqueiros e besteiros encarregues da defesa dos andaimos.
É ainda com D. Dinis que triunfa em Portugal o Ius Crenelandi, ou seja, o princípio jurídico que proclama o monopólio régio de edificar fortificações ou obras militares.
Outra medida importante da responsabilidade do Rei “Lavrador” é a instituição dos Besteiros de Conto (corporação de cariz profissional), que obrigava os concelhos a manterem, devidamente armados e treinados, um conjunto de Besteiros que podiam ser chamados a qualquer momento para integrar o exército do Rei.
Quanto às alterações arquitectónicas, convém ressalvar que, ao contrário dos castelos românicos, os castelos góticos eram obras em que para funcionarem correctamente os princípios poliorcéticos inerentes aos novos mecanismos de defesa, era fundamental um saber arquitectónico elevado por parte dos responsáveis pela sua construção. Passaram assim os castelos a ser construídos por mestres-arquitectos experientes que deixaram a sua marca nas epígrafes que chegaram até nós. São os casos do castelo de Melgaço (ainda do tempo de D. Afonso III) onde surge o primeiro balcão com matacães de que há registo em Portugal, da autoria de Mestre Fernando (1263), o de Veiros, da autoria de Mestre Pedro Abrolho (1308) ou ainda o de Estremoz da autoria de Mestre Antão (1320).
Fig. 12 - Torre do castelo de Estremoz com os seus balcões matacães
A parte da fortificação tradicionalmente mais frágil e sob a qual se tinha maior preocupação era a porta. Por isso, no período românico, o número de portas reduzia-se ao mínimo indispensável (mesmo nas urbes). Normalmente eram duas portas: a principal (a mais ampla e visível) e a porta da traição (de dimensões mais modestas, camuflada e de acesso difícil, usada frequentemente em caso de emergência). A protecção das portas era portanto um factor a ter em linha de conta. É a partir desta altura que as portas dos castelos passam a estar enquadradas por um ou dois torreões de apoio (ex: Serpa, Redondo, Alandroal, Veiros, Arraiolos e Nisa).
Na cintura muralhada assiste-se à multiplicação do número de torreões adossados, afastados entre si uma média de 8 a 15 metros. Esta medida permitia um melhoramento no tiro flanqueado. Por sua vez, o facto dos torreões terem plantas rectilíneas na sua maioria, reflecte o fraco poder ofensivo das forças inimigas e a escassa utilização de máquinas de guerra em território nacional.
No adarve verifica-se igualmente uma melhoria nas condições de defesa e de circulação. Passam a ser aplicados os merlões góticos no lugar dos românicos (que são mais largos e menos altos) e estes começam a abrigar uma seteira, aumentando assim a capacidade de tiro das forças sitiadas. Os adarves alargam-se para facilitar a circulação dos defensores e as escadas de acesso ao topo das muralhas passam a ser adossadas ao muro (em épocas mais recuadas eram incluídas na espessura dos muros).
Fig. 13 - Segmento de muralha com merlões, seteiras, adarve e matacães
As torres de menagem deixam de ter planta de quatro faces rectas, para passarem a ser construídas em planta poligonal (aumento dos ângulos de tiro). As torres passaram a ser deslocadas para junto das muralhas (ao contrário dos românicos em que se situavam em posição central do núcleo muralhado, funcionando um pouco como um “castelo dentro do castelo”). São exemplos onde esta mudança se verifica os castelos de Guimarães, Sortelha, Almourol e Belver. As torres vão assim deslocar-se para zonas do castelo onde a defesa era mais difícil. Esta nova localização das torres traduz uma maior confiança na capacidade defensiva do castelo.