segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A idade dos Castelos - 3ª parte - A guerra de cerco


Terminamos este nosso périplo pela história militar da idade média com uma breve dissertação sobre a guerra de cerco.
A partir de meados do século XI, o conceito de guerra modificou-se. A preocupação principal deixou de ser o saque e os proveitos de guerra para passar a ser o controlo territorial. As acções militares passaram a ser cuidadosamente planeadas de modo a assegurar a ocupação do território conquistado, numa perspectiva diferente da guerra de pilhagem que visava o proveito económico imediato.
Fig. 1 - Cerco de Duras durante  a guerra dos 100 anos

         A guerra de cerco tinha por objectivo destruir através do desgaste e debilitar as forças inimigas atacando-lhes as estruturas militares e criando instabilidade. Estávamos perante uma perspectiva de conquista militar aliada a uma expansão territorial, princípios tão em vigor nos séculos XII e XIII portugueses aquando da “reconquista” cristã.
Fig. 2 - Cerco de Jerusalém na primeira cruzada
            Adquirir o controlo dos pontos fortificados passou assim a ser o objectivo dominante de uma campanha militar. Controlando a praça, controlava-se o território adjacente.

A instalação do cerco

Para se proceder à instalação de um cerco era habitual recomendar-se aos comandantes que escolhessem o Verão para levar a bom termo essa operação. Além das óbvias contingências climáticas favoráveis, nesta época os campos apresentavam mais alimentos. Isso iria facilitar a tarefa dos sitiadores e castigar psicologicamente os sitiados que, além de não poderem chegar a estes recursos, ainda seriam castigados psicologicamente vendo o fruto do seu trabalho fortalecer o inimigo.
Depois havia também a questão dos recursos aquíferos. No verão, o calor e a seca, além de aumentarem o consumo de água por parte das populações, também causavam a extinção de fontes e riachos. Se uma fortaleza não tivesse abundância de água durante o tempo de duração de um cerco e os sitiantes dispusessem dela com fartura, era certo que seria apenas uma questão de tempo até ao povo cercado capitular pela sede. A água era portanto um factor-chave para a vitória neste jogo de paciência. O mesmo se passava em sentido contrário i.e. se os defensores de uma fortificação tivessem abundância de água, provisões, armas e defesas, não teriam muitas dificuldades em resistir ao assédio contrário e muitas vezes forçavam o inimigo a levantar o cerco.
Assim, além dos factores clima e gestão de recursos, era também necessário observar e fazer uma análise prévia ao terreno limítrofe da fortificação. Isto para se escolher o melhor sítio para instalar o arraial (do ponto de vista ofensivo mas também defensivo) e programar a ocupação dos pontos mais importantes de onde poderia surgir a ajuda externa (estradas, cursos de água, pontes...). E caso a fortaleza que se pretendia cercar fosse um porto de mar, era fundamental proceder a um bloqueio marítimo.
Uma vez efectuadas as diligências preliminares, era chegada a altura de assentar o arraial. Por uma questão de funcionalidade e segurança, este deveria ficar próximo do objectivo, mas simultaneamente afastado o suficiente para evitar ser atingido por projécteis disparados pelas forças defensoras da praça. Por outro lado, se o exército dispusesse de número suficiente de homens, era recomendável que o arraial cobrisse todo o perímetro muralhado de modo a isolar ainda mais os sitiados. Caso não fosse possível cercar todo o recinto, o contingente era distribuído de forma a cobrir os pontos estratégicos necessários ao controlo do inimigo.
Outra questão fundamental relativa à hoste atacante, era o elevado grau de organização e disciplina que esta deveria ter. Com o tempo a passar e a moral a caír, só uma hoste bem disciplinada conseguiria manter os índices de concentração elevados para conseguir triunfar.
A segurança preventiva era outro factor de especial importância a ter em linha de conta. Desta forma, os chefes militares salvaguardavam o pessoal do acampamento. Ordenavam então que se fortificassem com paliçadas, trincheiras e fossos os limites do arraial e se instalassem pequenas torres de vigia para evitar eventuais contra-ataques das gentes cercadas. Uma permanente vigia diurna e nocturna com recurso às torres e às patrulhas, asseguravam o funcionamento normal do acampamento.


Como podemos verificar, ao contrário dos primórdios das operações de cerco, na baixa idade média a estratégia de levar a cabo uma operação deste nível pressupunha um planeamento metodológico muito mais elaborado e criterioso. Por vezes, se as forças sitiantes e sitiadas se equilibravam, o assédio podia demorar meses, arrastando-se numa indefinição que não favorecia nenhum dos lados em confronto.
Um dos factores que poderia desiquilibrar a contenda a favor das forças atacantes eram a programação da logística e a eficácia das linhas de abastecimento. Com efeito, a questão do abastecimento constituía um problema nuclear da hoste que cercava a fortaleza. Havia então de assegurar a vigilância da linha de abastecimentos e proteger os homens que se afastavam periódicamente do arraial para obter mantimentos e forragens para os animais.


A ofensiva: As máquinas de guerra

A partir de meados do século XI começam a ocorrer os cercos prolongados no território português. O primeiro caso registado foi o de Lamego (em 1057), mas temos também o de Coimbra (1064), ambos levados a cabo por Fernando Magno de Leão. Já no século XII, nos primórdios do reino de Portugal, temos ainda o cerco de Lisboa (1147) executado por D. Afonso Henriques e o de Silves (1189), por D. Sancho I. Os quatro resultaram em vitórias para os sitiantes.
            Nos grandes cercos entre forças equilibradas, como o foram estes, o recurso à engenharia bélica podia desiquilibrar a contenda a favor dos sitiantes.
            De acordo com os estudos do grande historiador militar britânico, professor John Keegan, as máquinas de guerra são tão antigas como as tácticas de cerco em si. Segundo ele, desde a antiguidade que as grandes civilizações utilizavam estas máquinas de assédio, das quais as medievais descendiam por afinidade. Assim, é no antigo Egipto que surge a primeira representação de um Aríete (datada de 1900 a.c.). Relatos escritos da guerra de cerco grega revelam o aparecimento do primeiro dos engenhos para arremesso de projécteis: a Catapulta. Datada de 398 e 397 (a.c.). As Torres Móveis por sua vez, imortalizadas entre nós na tomada de Lisboa aos mouros, aparecem já representadas na Mesopotâmia num relevo datado de 745-727 (a.c.). Há também alusões ao uso de fogo para atacar os portões e o interior das fortificações, às técnicas de interrupção do abastecimento de água aos sitiados e o bloqueio aos géneros alimentares, levando-os à capitulação através da fome e da sede. Todas estas são técnicas comuns à idade média mas, como se vê, com uma origem bastante mais recuada.
É durante o século XII que se generaliza o recurso às máquinas de cerco quer em Portugal, quer no resto da Europa e no contexto das cruzadas. Na realidade, neste período os engenhos conheceram um notável desenvolvimento e dominaram os cenários de guerra até finais do século XIV, altura em que a revolução da pólvora os foi substituindo gradualmente pelos trons e as bombardas.
Fig. 3 - Algumas das principais máquinas de guerra usadas na idade média
            Os engenhos ou máquinas de cerco são uma série de armas que aplicavam dois princípios distintos no arremesso de projécteis: a torção de cordas (catapultas e balistas) e o sistema de contrapeso ou tracção (trabucos). Como outras armas regularmente utilizadas durante o assédio às fortificações tínhamos ainda o aríete e a torre de assalto. Estas estavam direccionadas ao ataque a curta distância.
            Comum a todos estes engenhos é que para a sua concepção e manobra precisavam de pessoas especializadas na arte de desenvolvimento das máquinas de assédio. É neste contexto que surgem na idade média os engenheiros, então conhecidos como “mestres de engenho”. Para se ter ideia da importância que estes tinham na manobra militar em Portugal, na época da reconquista, D. Sancho I recompensou através da concessão de terras e privilégios, um dos mestres de engenho – “Domno Michaeli magistro ingeniorum” pelos serviços prestados à coroa durante o cerco de Silves.
            As armas de arremesso de projécteis podiam disparar grandes dardos (balista) ou pedras de grandes dimensões, projécteis incendiários e carcaças de animais (catapultas e trabucos). O objectivo era enfraquecer ou abrir brechas nas muralhas dos castelos, incendiar as casas do seu interior ou espalhar doenças na população sitiada.

Fig. 4 - Protótipo de uma catapulta medieval
            Catapulta ou Mangonel – Descendentes directas do Onagro romano, as catapultas, tal como os trabucos, eram máquinas de guerra de longo alcance. Qualquer pedra lhes servia de munição, mas era habitual aperfeiçoar as pedras até estas ficarem esféricas para voarem melhor. Normalmente, um cordão de corda ou de crina de cavalo mantinha sob tensão um braço comprido munido de uma cavidade onde era carregada a pedra (o braço tinha a forma de uma colher). Uma vez direccionada a catapulta ao seu objectivo (as catapultas tinham rodas e portanto eram móveis, ao contrário dos trabucos que eram estáticos), soltava-se a corda e o braço saltava arremessando a pedra.
            Foi talvez a arma mais difundida de todas as armas de cerco da idade média, pois, além de ser mais pequena, permitia um ritmo de tiro maior que o trabuco por exemplo (embora este tivesse efeitos mais devastadores).

            Trabuco ou Trabuquete – Era uma arma de sítio que se baseava nos princípios do contrapeso ou da tracção. Em qualquer dos casos a sua forma era semelhante: uma estrutura em T ou V invertidos, com um eixo na parte superior no qual se articulava um braço móvel. Este braço era preso de forma assimétrica, com o braço grande destinado ao projéctil (que normalmente era de maiores dimensões do que o da catapulta, pois assentava numa cavidade maior) e o braço pequeno destinado ao contrapeso ou às cordas que eram puxadas pelos guerreiros para arremessar o projéctil. A solução mais utilizada parece ter sido o trabuco de contrapeso, pois libertava os guerreiros responsáveis pela sua tracção para outras funções. Dele encontramos na Península Ibérica representações epigráficas e registos cronísticos e documentais em maior número.
Fig. 5 - Reconstituição de um trabuco medieval
            Inventado na China, aparece na bacia mediterrânica em 624 (d.c.) no contexto da expansão muçulmana. Pensa-se que teria sido difundido mais tarde por toda a Europa cristã pelos cruzados (pois só existem registos documentais do seu uso depois da primeira cruzada), tendo sido uma das máquinas utilizadas por estes durante o cerco de Lisboa de 1147.
            A desvantagem em relação à catapulta era que, além de não ser móvel, tendo muitas vezes de ser montado no próprio local de assédio, o trabuco tinha uma cadência de tiro mais lenta. Entre as vantagens encontram-se a maior destruição que os projécteis causavam com o embate (devido à curva parabólica que efectuavam). O trabuco também podia arremessar diversos tipos de objectos/animais e a maiores distâncias que a catapulta evitando o fogo inimigo. Assim tornava-se mais nefasto quer para as pessoas quer para as construções. Popularizou-se até aos finais da idade média.

            Balista - A primeira característica que salta à vista desta arma é o facto de ela ser muito semelhante a uma grande besta, sendo por vezes designada por “besta de terreiro”. Como tinha rodas, fazia lembrar uma besta montada num carro. Se formos mais ousados, conseguimos detectar nela um possível antepassado medieval dos tanques de guerra actuais. Tal como a catapulta, a balista assentava o seu funcionamento no princípio da torção de cordas. Tinha estrutura em T e dois braços paralelos e independentemente ligados (ao contrário da besta que tinha um arco uno) nas pontas por uma corda forte e estes por sua vez, ficavam ligados a um sistema vertical de cordas torcidas. A estrutura ficava assente, como já vimos, sobre rodas. Para se armar a balista era necessário puxar a corda para a retaguarda do engenho, com auxílio do sistema de engrenagens que a compunham. À medida que a corda era puxada, os dois braços ficavam sujeitos a uma enorme pressão exercida pelos sistemas de cordas torças. Depois, colocava-se o projéctil – normalmente um grande dardo de cabeça metálica ou incendiária – e a balista ficava pronta a disparar.
Fig. 6 - Uma balista
            Vantagens da balista em relação a outros engenhos: permitia tiro com alguma fiabilidade e precisão, uma cadência elevada e podia ser transportada facilmente e montada no alto das torres mais largas dos castelos. Era portanto uma arma com grande importância quer do ponto de vista ofensivo quer defensivo. Utilizava-se nos cercos como arma incendiária tanto pelos sitiantes como pelos sitiados. Entre nós utilizaram-se balistas durante os cercos de Lisboa (1147) e Silves (1189).

            Torres de assalto - também designadas como torres móveis, eram estruturas de madeira de grande envergadura, revestidas com terra e peles de animais e que podiam transportar guerreiros no seu interior. Possuíam igualmente orifícios que permitiam o ataque das forças balísticas durante a sua deslocação. Apesar de dotadas de rodas, não podiam ser deslocadas ao longo de grandes distâncias devido ao seu peso e à instabilidade dos terrenos. Assim, as torres de assalto eram construídas no local de assédio e muitas vezes à vista das forças sitiadas que imediatamente se alarmavam e preparavam para responder à ofensiva. Essa contra-ofensiva constava normalmente, na tentativa de a incendiar quando esta investia na direcção de uma muralha ou de uma porta. Assim aconteceu por exemplo com a torre que os cruzados flamengos fizeram durante o cerco de Lisboa de 1147. À 2ª tentativa, para as proteger do fogo, os cruzados cobriram as torres com couro de boi húmido e desta forma já conseguiram alcançar as muralhas da cidade. Uma vez chegadas aos muros, as torres de assalto tinham a vantagem de oferecer alguma protecção aos soldados que os escalavam. E como as torres normalmente eram mais altas que os muros (da altura dos muros dependia a altura das torres), permitiam aos besteiros e arqueiros do seu interior que pudessem alvejar de cima para baixo os defensores, causando-lhes desta forma pesadas baixas quando se conseguiam aproximar.
Fig. 7 - O cerco de Lisboa com a célebre imagem da torre de assalto construída pelos cruzados
            Chegada à muralha, da parte superior da estrutura descia uma ponte levadiça que assentava na sua plataforma e que possibilitava aos soldados invadir o castelo ou a praça. Em simultâneo, poderia haver no andar inferior da torre um aríete accionado pela tracção dos soldados do andar que ia destruindo a base da muralha.  

            Aríete – A palavra é uma variante do latim “aries”, que significa carneiro. Era uma máquina móvel com 4 rodas e composta por um mastro de madeira com a cabeça revestida a ferro (muitas vezes com a forma de um carneiro, daí o seu nome), preso por meio de correntes ou de cordas fortes a uma estrutura de madeira em forma abobadada. Através do manejo das correntes e das cordas, os assaltantes faziam avançar e recuar a grande viga, imprimindo-lhe um movimento de vaivém que era aproveitado para demolir ou abrir brechas na muralha ou na porta. Após a abertura da primeira brecha no muro, colocava-se na cabeça do “carneiro” um gancho que servia para ir arrancando pedras à muralha, alargando desta forma o rasgo inicial.
Fig. 8 - Um aríete
            Para evitar que o aríete fosse incendiado pelo fogo inimigo, revestia-se a estrutura com peles de animais, cruas e húmidas, tal como se fazia com as torres de assalto. De resto os aríetes, como já fizemos referência, incorporavam muitas vezes a parte inferior destas torres.
            De acordo com os estudos de João Gouveia Monteiro, não há referência nas fontes portuguesas a este tipo de arma de assédio. Contudo, em virtude da sua importante intervenção na história bélica da idade média e em particular na guerra de cerco, da qual é uma das protagonistas no ataque a curta distância, achámos por bem dar-lhe o destaque merecido.

Cavas ou Minas – Também denominados trabalhos de sapa. Esta técnica de assalto a uma fortaleza consistia na escavação de túneis em direcção às muralhas do castelo com o objectivo de as derrubar ou entrar na praça. Era um processo moroso de trabalho e de resultado incerto, mas quando executado com êxito poderia ser a chave de sucesso para a vitória dos atacantes.
            Flávio Vegécio teoriza já no epitoma rei militaris o modo de executar a minagem: Esta consistia em escavar, tão discretamente quanto possível um túnel a partir de um ponto do arraial ao abrigo de uma casa ou tenda. Este tinha que ser profundo o suficiente para passar por baixo de eventuais fossos e dos alicerces das muralhas, largo o suficiente para nele caberem os homens e comprido o bastante para chegar às muralhas. Uma vez alcançadas, deitava-se fogo à base da muralha ou da torre de modo que o calor nas pedras a fizesse entrar em colapso e a derrubasse. Esta técnica, bastante popular nos séculos XIII e XIV, não se revelou no entanto muito eficaz, pois além de demorada, os inimigos apercebiam-se dela regularmente e defendiam-se da mina facilmente, quer fazendo uma contramina, quer emboscando os atacantes.


Os engenhos eram considerados vitais para o sucesso de uma operação de assédio devido ao papel que desempenhavam na destruição das defesas do inimigo, quer derrubando muralhas e torres, quer incendiando casas e construções da praça sitiada. Podiam ser utilizados em simultâneo com outras técnicas de assédio que já aqui enumerámos, o que dava maiores probabilidades de sucesso aos atacantes. Até aos finais da idade média estes eram ainda considerados muito mais úteis do que os engenhos pirobalísticos que com eles começavam a conviver. Imprecisos e ainda primitivos, os trons e as bombardas utilizavam-se nos seus primórdios mais como recurso defensivo, porém sem grandes resultados. Tomemos como exemplo de comparação entre os dois sistemas este trecho da crónica de D. João I de Fernão Lopes aquando do cerco de Melgaço de 1388:

 «tendo jaa os da vila lamçadas pedras de troons que nam fezerão porem damno, mandou el-Rey armar um enjenho acima da ponte da villa. E logo essa quarta feyra lançou cinquo pedras,e três foram dentro no logar e duas deram no muro. E respomderan-lhe de dentro com doze pedras de troons, que nenhum damno fezeram. A quinta feyra lançou o enjenho xxv pedras, das quaes deram xvi no muro e duas em dous caramanchões que foram logo deribados. E as nove cahiram dentro na villa, que fezeram gram perda em cassas que deribarão (…) temdo lançadas da villa de dentro ao arrayal cento e xx pedras de troons, que nenhuum nojo fezeraão, e do arrayal a villa trezemtos e xxxvi que danaram gram parte della»


A resistência

Tendo analisado o ponto de vista dos atacantes, iremos agora analisar o ponto de vista de quem resistia a um cerco: i.e. o dos sitiados.
            Para se preparar a resistência a um cerco teria de haver por parte dos seus defensores um notável planeamento, aliados a grande sentido de organização e espírito de sacrifício. Por vezes, a sorte também ajudava (como ajudou o Mestre de Avis, aquando do cerco castelhano a Lisboa em 1384, levantado devido a um surto de peste no arraial castelhano). No entanto, e até ao efectivo triunfo das armas de fogo, os meios defensivos tinham ainda considerável vantagem sobre os ofensivos.
            Mais que os homens ou os projécteis, os grandes inimigos da hoste sitiada eram a fome e a sede. Era fundamental proceder à recolha prévia do maior número possível de mantimentos e água.
            Uma resistência eficaz implicava também que se pudesse contar com uma guarnição relativamente numerosa (ou não sendo possível em número, pelo menos em extensão a toda a muralha), fiel, disponível e motivada para o combate. A esta guarnição pedia-se regularmente que trabalhasse na vigia, diurna e nocturna aos pontos fracos do castelo. Esta tarefa de grande responsabilidade só teria sucesso no entanto se as estruturas do castelo (muralhas, torres, barbacãs) se encontrassem em bom estado de conservação, pelo que era fundamental proceder ao exame prévio do castelo quando se previsse que este iria ser assediado. Se houvesse tempo, o ideal seria reforçar-lhe as defesas (ex: instalar matacães nas torres, cavar fossos em redor da fortaleza, etc.), procedendo a obras não muito demoradas, mas eficazes.
            Para responder aos ataques inimigos, também era muito importante dispor de armamento em quantidade e qualidade. Para se retaliar da melhor forma ao fogo adversário, mas também porque nunca se sabia ao certo o tempo que um cerco poderia durar, logo era essencial dispor de armas e munições em abundância.
            Preparadas as defesas, era chegado o momento de espera pelo assalto. Quando o atacante iniciava a manobra, a primeira coisa que o defensor deveria fazer era evitar a todo o custo que este chegasse às muralhas e torres. Para isso, os arqueiros e besteiros disparavam uma chuva de setas e virotes, que poderiam vir acompanhados de pedras, de dardos de balista, de projécteis de catapulta (no caso das fortificações que tinham armas de cerco para se defenderem) e de águas e óleos ferventes.
Uma técnica eficaz de reter o avanço das linhas inimigas era incendiar-lhe ou quebrar-lhe as estruturas que se dirigiam ao castelo e espalhar armadilhas à volta da muralha. Era normal então os arqueiros terem no adarve, além do alforge cheio de munições, um braseiro e setas inflamadas para poderem disparar e pegar fogo às armas do adversário.
A falta de mantimentos era o maior problema com que se deparavam os sitiados enquanto decorria o cerco. Neste ponto, descreve-nos Fernão Lopes, aquando do cerco castelhano de 1384 o seguinte:

 «E esto fartou assim a cidade apertadamente que as publicas esmolas começavam de fallecer, e nenhuma geração de pobres achava quem lhe dar pão de guisa que a perda commum vencendo de todo a piedade, e vendo a grande mingua dos mantimentos, estabeleceram deitar fora as gentes minguadas e não pertencentes pera a defensão. E esto foi feito duas ou três vezes, até lançar fora as mancebas mundanárias e judeus, e outros similhantes, dizendo que, pois taes pessoas não eram pera pelejar, que não gastassem mantimentos aos defensores…»


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